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Franciscanism no III Milênio

1. INTRODUÇÃO
 
A perspectiva do futuro faz parte de qualquer instituição. As instituições outra coisa não são senão a projeção da própria pessoa. Pessoa que, como ser em crescimento, em devenir, peregrino do ser, implica sempre o seu ainda não. É o tal sentido orientativo e de projeção indispensável em todo o ser humano, marcado pela peregrinação: donde venho, onde estou e para onde vou. No Franciscanismo isso é ainda mais assim tendo em conta a dinâmica que lhe deu origem, o projeto do seu Fundador.
  

2. A PERSPECTIVA DO FUTURO NO FRANCISCANISMO DAS ORIGENS

Francisco é o homem “alterius saeculi”, do outro século, na expressão de Celano, o século que vem aí. Como tal, com o movimento a dinâmica que, talvez mesmo, sem conscientemente os programar, ele lhes imprimiu, pretendeu responder a necessidades e apelos que se faziam sentir vivamente, a partir de tempos novos que então estavam a chegar. Num mundo, mais ou menos parado e marcado pela “stabilitas loci” do monacato beneditino, mas que começava a mover-se impelido nomeadamente pela dinâmica comercial, ele lançou a mística do “peregrino e forasteiro neste mundo”. Num mundo, classista, com os senhores suseranos e a plebe, como monacato de Abades e conversas a despertar para a igualdade, ele projetou o movimento da fraternidade. Num mundo a chegar, com toda a gente a respirar ânsias de dinheiro, que o comércio suscitava, ele propôs caminhos de pobreza e desprendimento. Num mundo com uma igreja, presa do fausto e da ostentação, ele falou de pobreza de simplicidade. Num mundo de guerras fratricidas de uns contra os outros, por tudo e por nada, ele apontou e mostrou caminhos de paz de reconciliação. Isto foi o franciscanismo das origens.

Lógica e consequentemente num movimento que nasceu assim, seria uma infidelidade não ouvir a sério essas vozes profundas que vêem do futuro e continuam a ressoar sempre de novo vozes do Concílio Vaticano II, liderado na sua origem pela mão de um Papa Franciscano, da Origem Terceira, que foi João XXIII. Desi­gnou ele essas vozes como sinais dos tempos. Sinais que é um dever grave ouvirmos todos, como lembrou o Concílio na “Gaudium et Spes”. É nesses sinais que está Deus a conduzir a história, com a Igreja e todas as suas instituições e por isso também o Franciscanismo. Se ele não fizesse, estaria a ser infiel a S. Francisco e estaria a trair seu próprio futuro.
É a esta luz que vamos ver os caminhos que o franciscanismo terá de percorrer nos caminhos do terceiro milênio, se quiser ser fiel a Deus, à Igreja, à história e também a S. Francisco.
 

3. CAMINHOS DO TERCEIRO MILÉNIO A PEDIR UMA INTERVENÇÃO FRANCISCANA

O terceiro milênio aí está a chegar, com uma possibilidade imensa de progresso, de bem-estar, de qualidade de vida, de felicidade que mal se podem imaginar. Bastaria pensarmos só no que aconteceu nestes últimos 50 anos, a partir de novas descobertas que se vão sucedendo sempre em ritmo mais crescente e de maior envolvência. Nunca o homem pôde ser tão feliz e crescer tanto como hoje.

Entretanto, sabemos bem que, com todo esse bem-estar, não cresceu de fato ao mesmo ritmo a felicidade humana. Pode mesmo ter diminuído a muitos níveis. É que, com todo esse bem-estar, foram surgindo novos problemas. São esses problemas, os problemas de hoje que importa resolver e em cuja solução todos nos devemos empenhar. Todos e também, como é evidente, o mundo franciscano.
Não compete, entretanto, ao franciscanismo responder a todos os problemas, ânsias, inquietações e desafios que nos apresenta o terceiro milênio, que já aí está à vista.
Tais problemas e inquietações são mais que muitos. São aos montes: o economicismo, a concorrência e competitividade propostas como únicas saídas de futuro, o capitalismo a avançar sempre mais, contra tudo e contra todos, a açaimar os poderosos meios de comunicação, fazendo-os ditar moral e dizer só o que lhe convém, na pior das ditaduras de sempre, a generalização dos conflitos, a consagração da lei dos mais fortes, o fosso, a crescer sempre mais, entre ricos e pobres, a degradação da espécie humana, a secundarização do homem na sociedade, a ausência de valores e pontos de referência, a objetivação e exploração das pessoas, de umas pelas outras num salve-se quem puder, a crise de esperança, a ameaça e os atentados à criação, a orfandade do homem sem transcendência, sem razões para viver e para esperar, a mutilação da inteligência humana em favor da dimensão instintiva do ser humano etc...
O único critério para se encontrar e discernir, neste acervo de problemas, o campo onde se deverá fixar a intervenção franciscana tem de ser o ideal, a vida, a identidade de Francisco que aparece nomeadamente nas fontes, nas origens do franciscanismo e, como é evidente, na leitura que delas fizeram sobretudo os santos, logo de início e ao longo da história.
 

4. ÁREAS A PRIVILEGIAR PELO FRANCISCANISMO NO TERCEIRO MILÉNIO

À luz do que acabamos de dizer, parece-me serem áreas abertas a uma intervenção franciscana no mundo do terceiro milênio, entre outras, a menoridade, a fraternidade, a promoção da paz, a pobreza como libertação e opção pelos pobres, o respeito pela criação, o clima de transcendência, centrado num Deus que é amor.

Cada uma delas daria um tema a tratar e aprofundar numa semana como esta.
Vou dizer apenas e sem grandes pretensões uma palavra muito breve a sublinhar o significado e conteúdo de cada uma destas áreas no pensamento franciscano das origens e a alternativa flagrante que elas representariam em ordem a um mundo novo em que todos mais ou menos conscientemente andam a sonhar.
 
A) A menoridade
 
A menoridade faz parte da identidade de Francisco e também da sua Família. Foi o próprio São Francisco que escolheu para si e para os seus este nome Queria que os seus se chamassem assim: Irmãos Menores Eram de fato assim. Propôs mesmo o que seria o retrato de um irmão menor. Assim se designava a ele próprio. Assim designava ele os seus filhos, a sua Ordem. Numa sociedade, com “maiores e minores” Francisco quis que os seus fossem fazer parte dos “minores”.
Não foi questão de táctica. Aprendeu-o no evangelho.
Não os chamou mínimos. Usou o comparativo. Supõe que qualquer franciscano vê e considera sempre todo o outro acima de si próprio. Nunca se poderá ver acima de ninguém. Vê todos os outros acima de si. Como tais, dá-lhes sempre o primeiro lugar. Escolhe, como seu lugar próprio, estar sempre entre e com os menores.
Uma gente assim mataria toda a inveja imperante. Acabaria com a concorrência e competitividade que esmaga pessoas, espalha conflitos, é fonte de ameaças, semeia injustiças. Dispensa armas e exércitos. Tem por amigos os mais pequenos, os mais frágeis, os mais fracos. Toma sempre como suas as causas deles. Não tem medo de ninguém, mesma num mundo cheio de medos, como é o nosso.
 
B) A fraternidade
 
A fraternidade entre todos é outra das notas fundamentais do franciscanismo. S. Francisco fundou uma Ordem de irmãos onde todos são mesmo irmãos (fratres-frades) uma família, com irmãos a partilharem tudo o que recebem, até com obediência uns aos outros, com amor materno de uns pelos outros. Todos a verem como irmãos todos os homens, sem discussões, sempre na alegria e na simplicidade. Sábios e simples. Todos assim.
Um mundo de gente assim seria o fim do egoísmo. Poria fim à solidão de tanta gente. Evitaria o stress. Aproximaria as pessoas. As guerras e os crimes iriam desaparecer.
 
C) Promoção da Paz
 
Faz parte do franciscanismo a promoção da paz. Promoção da paz, com o exemplo. Era a regra fundamental e Francisco na evangelização e missionação a pratica entre os sarracenos e outros infiéis. Deviam ir para o meio deles e viverem ali em paz entre si e sujeitos a toda humana criatura segundo mandava a Primeira Regra. A saudação dos irmãos devia ser, cada dia, um desejo de paz, como impõe a Segunda Regra. A norma de base era o perdão, perdão sem medida, como se manda na carta de Francisco a um Ministro. Ser franciscano era promover a paz com palavras e obras. É esta a missão da Ordem. Promover a paz até entre os homens e os animais, como Francisco o fez com o lobo de Gúbio. Paz sempre e só a partir da justiça, como bem o acentua na pacificação do lobo de Gúbio. Paz desarmada, como a de Francisco com o Sultão num tempo de cruzadas. Paz que canta os que promovem a paz e inspira orações para suscitar promotores de paz: Senhor, fazei de mim instrumento da vossa paz!
Um corpo de paz assim, no mundo e na igreja, afastaria certamente neste terceiro milênio um dos maiores perigos e riscos da Humanidade e que vai fazendo gastar em armas o que se devia gastar em pão e na promoção dos homens e das nações e, na posse de armas nucleares, pode até pôr em risco a própria subsistência da humanidade.
 
D) Da pobreza como libertação
 
A pobreza é uma linha de base no franciscanismo. A pobreza é norma de vida, fundamento da Ordem, novidade da Ordem. Pobreza que é de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pobreza que é altíssima, uma senhora, uma esposa, uma graça do Senhor. Pobreza que tem de ser voluntária e consiste em não ter nada próprio, não se apropriar de nada. É libertar tudo em favor dos pobres, como Francisco o quis demonstrar na cena das rolas que comprou e soltou para as pôr a cantar para toda a gente. Pobreza que é humildade, uma virtude real, por ser pobreza de um grande Rei que é Jesus e a todos nos garante o reino dos céus. Pobreza que faz ver tudo como dom, evita o supérfluo, converte os pobres em imagens de Cristo, que fez de Maria a Senhora pobre.
Num mundo de ganância, de ambições desmedidas, de avareza, onde o que se ganha e se tem nunca chega, onde os bancos vão escondendo o pão que nos sobra e falta aos pobres, onde os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais numerosos e mais pobres, num mundo que é ao mesmo tempo de opulência, de ostentação e de miséria e fome, um mundo cada vez mais igual ao do rico avarento e do pobre Lázaro, um tal testemunho autêntico e “escandaloso” de pobreza francis­cana, seria decisivo. Seria uma contestação, talvez silenciosa, mas mais eficaz e necessária. Seria uma revolução cada vez mais urgente.
 
E) Respeito pela criação
 
O respeito pela criação faz parte essencial do ideário franciscano. As coisas criadas revelam a glória de Deus. São reflexo do Senhor, a imagem do seu Filho. São nossas irmãs. Refletem o amor de Deus para conosco. Merecem respeito e sujeição. Servem para com elas louvarmos o Senhor A pobreza
franciscana é também e sempre respeito pelas criaturas.
Num mundo ameaçado pelo desequilíbrio cósmico, pela exploração irresponsável da criação, pelo uso e abuso de tudo, pela invasão do lixo que nos ameaça, pela poluição de rios e das fontes, dos ares e dos mares, pela praga dos fogos nas florestas, pela agressão sonora, com a invasão desordenada do cimento armado a ameaçar sempre mais as zonas verdes das nossas cidades, o exemplo e a voz franciscana, a partir da fé, poderiam ser uma lufada de ar fresco e de esperança na cidade dos homens que corre risco de dar cabo da sua casa comum, o cosmos em que habitamos. O hino oficial poderia ser o Cântico das Criaturas. Sem uma voz assim, podemos acabar por silenciar a Deus e provocar uma derrocada da casa de todos nós que viria a cair sobre as nossas cabeças como consequência do sacrilégio que é a nossa anti-criação.
 
F) A recuperação da contemplação e do sentido de Deus no mundo.
 
Na alma Franciscana Deus é tudo. Está no centro. Ele é a razão de tudo. Deus é a nossa luz, a caridade e o amor, a misericórdia, a segurança, o nosso Pai, o nosso salvador, o nosso protetor, o único bem, a fonte de todo o bem, a nossa esperança, o onipotente, a fonte de alegria, o Pai e amigo, o nosso guia, o benfeitor do homem, o Pai dos pobres, uma presença que se respira em todas as coisas, uma grande promessa para todos nós, o alimento da nossa alma, alguém que é admirável em todos os que o amam.
Num mundo em que, por um lado, não falta nada e por outro há tanta gente infeliz, desgraçada, desesperada, desiludida que não aguenta a vida, que avança só à força de droga, sexo, dinheiro; num mundo a falar de “fossa”, sem sentido para a vida, sem razões para viver e para esperar, sem alguém por quem valha a pena viver e morrer, o franciscanismo do Alverne, do Cristo de S. Damião, dos “carceri” de Rivotorto, da Porciúncula, das noites na casa de Bernardo Quinta Vale, um franciscanismo a semear por esse mundo além zonas de silêncio e de paz, seria uma fonte de esperança no terceiro milénio. Seria o reencontrar daquela que já se chama a dimensão perdida. Dimensão que há que encontrar se queremos que o mundo tenha futuro. Malraux já escreveu que o século XXI será contemplativo ou não será. Mauriac disse também que nós, cristãos, escondemos a Deus e o mundo anda para aí aflito, desorientado, desesperado à sua procura e não sabe onde o metemos. É tempo de o mostramos mesmo. Falta-nos oásis. Deus no meio dos desertos do mundo.
 
5. CONCLUSÃO
 
O mundo e a Igreja estão pois à espera de portas de saída para novos problemas que há que resolver. Pensemos só, e a título de exemplo, nas desigualdades no mundo. Segundo estatísticas da ONU e do Banco Mundial, nos últimos 30 anos, as desigualdades no mundo duplicaram. Por outro lado, tem-se tentado minorar tais desigualdades, só a nível econômico, primeiro unindo os mais pobres contra os mais ricos. Não foi solução. Tentou-se depois ajudar os mais pobres a subir sem tocar nos mais ricos. Já se viu que também não deu resultado. A solução possível parece que só pode ser uma solidariedade com os mais pobres, à custa dos mais ricos que têm de ser menos ricos em favor dos mais pobres. Não há outra saída. Num mundo assim, só um grande ideal de pobreza, traduzido na vida de muita gente que contagiasse o pensar e o viver de todos nós, poderia ser uma esperança. Fala-se hoje de uma Igreja de desejo a mostrar os grandes desejos do mundo em que ela vive e se encontra e a proclamar as promessas do seu Senhor, que são as do sermão da Montanha. Tudo isto, aos vários níveis aqui contemplados, seria a síntese do que eu tentei dizer ao tratar do que poderia ser o franciscanismo no Terceiro Milênio. Seria assim a vida de todos os Franciscanos no Terceiro Milênio, a imagem viva de uma igreja de desejos e de promessas.
Penso por aqui iria passar também o problema das vocações à vida franciscana e o futuro do franciscanismo no terceiro milênio e até o futuro do mundo.
 
Dom Frei António Monteiro OFMCap
 
 

 

 

 
 Fonte: http://www.capuchinhos.org/francisco/estudos/franciscanismo_terceiro_milenio.htm

 


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